sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Álcool e direção repetem tragédias e alertam para o perigo nas noitadas em João Pessoa

Famílias lamentam perdas e cobram justiça e rigor das autoridades; órgãos de trânsito prometem ampliar ficscalização
Cidades | Em 22/11/13 às 13h49, atualizado em 22/11/13 às 15h22 | Por Luciana Rodrigues
Os números são alarmantes e as tragédias continuam assustando a todos, causando sofrimento e dor às famílias das vitimas. Apesar dos 1.751 motoristas pegos pela Lei Seca e das 247 prisões registradas somente até novembro de 2013, o trânsito perigoso durante as madrugadas e após as baladas continua matando em João Pessoa. Os números são do Departamento Estadual de Trânsito e correspondem ao levantamento feito apenas na capital paraibana.
A imprudência de quem ingere bebida alcoólica, dirige e acaba matando, deixa a sociedade abalada, mas parece não fazer o efeito necessário para conscientizar. Achar que as tragédias só acontecem com os outros e ter excesso de autoconfiança são atitudes que persistem nas mentes de motoristas jovens ou adultos que necessitam de preparação para a atual conjuntura do trânsito nas áreas urbanas e nas rodovias.2.104 morreram em acidentes de trânsito somente em João Pessoa nos últimos dez anos, conforme dados de 2001 a 2011. O que dá um total de 31 pessoas mortas para cada 100 mil habitantes, segundo dados divulgados pelo Centro de Estudos Latino Americanos, o Cebela. O Mapa da Violência 2013, traçado pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, revelou ainda que do total das vítimas da capital paraibana, 32% eram jovens.
Para se ter uma ideia do tamanho da problemática causada pela falta de atenção, despreparo e imprudência no trânsito, basta analisar dados do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, em João Pessoa. Somente este ano, foram atendidas 12.307 vitimas de acidentes de trânsito envolvendo carros e motocicletas.
São números que impressionam, mas que não passariam de meras estatísticas, se não ceifassem vidas de pessoas com relevante e estimado convívio social. As perdas são irreparáveis e o sofrimento das famílias, apesar de amenizado com empenho da polícia e da Justiça em prender e punir os culpados, continua a alertar para a necessidade de se fazer mais.
'Snto-me impotente e fragilizada a cada novo caso que acontece'
As famílias das vitimas, apesar da dor, provocam lições de força e fé. A repetição das tragédias deixa Nina Ramalho angustiada, que perdeu o pai, o tio e um primo em um acidente num cruzamento da Avenida Epitácio Pessoa, no Bairro de Miramar, em maio de 2007. Ela diz que busca forças em Deus. "Sinto-me impotente e fragilizada a cada novo caso que acontece; é como se não tivesse conseguido evitar", revelou ao comentar sobre o caso mais recente que resultou na morte do construtor Bruno Bernardino, de 34 anos.
Como no acidente da família Ramalho, um motorista com sintomas de embriaguez e em alta velocidade bateu no carro em que Bruno estava com a esposa e causou a morte dele. O acidente aconteceu no último dia 10 deste mês, quando o casal estava a caminho de uma igreja, no Bairro do Bessa, na orla de João Pessoa. No caso dos Ramalho, foram três vitimas de uma vez.
Ao falar sobre como a família dela se sente, ela diz com tristeza, "nós estamos condenados para sempre a conviver com a dor, com a perda. É como se a metade da vida da gente fosse embora também, mas mesmo assim continuamos vivendo. Não podemos parar porque precisamos continuar lutando..." se emociona.
Na opinião de Nina, é inadmissível que pessoas bem informadas não tenham conhecimento de que não é permitido ingerir bebida alcoólica e dirigir. Ela acha que os que agem assim, o fazem por ter certeza da impunidade.
Nina acredita que a ação da polícia e da Justiça ao prenderem e manterem detidos os acusados pelos crimes de trânsito dos casos de maior repercussão poderá começar a mudar essa mentalidade. "A Paraíba tem dado exemplo, mandando para a prisão os assassinos, como nos casos da minha família, o de Bruno, do da defensora Fátima Lopes e da filha de Deusimar Guedes, mas ainda falta mais fiscalização, através das blitzen e, principalmente, mais investimento em conscientização", enfatizou.
Ela disse ainda que acredita que somente com uma formação educativa em casa, nas escolas, e nos meios de comunicação, principalmente para atingir as crianças e jovens, essa realidade poderá ser mudada.
O mesmo sentimento de impotência revelou sentir o advogado e psicólogo Deusimar Guedes, pai da estudante Raíza Guedes, que morreu aos 17 anos junto com Ronaldo Soares, de 19, quando os jovens e mais dois amigos voltavam de uma festa na madrugada do dia 16 de julho de 2011. Num cruzamento da Avenida Epitácio Pessoa, eles também foram atingidos por um motorista embriagado que avançou o sinal vermelho.
Deusimar desabafa dizendo que depois de tanto tempo trabalhando pela conscientização sobre o uso indevido de drogas, inclusive bebidas alcoólicas, sentir a dor da perda de uma filha, causada por uma pessoa que cometeu o ato irresponsável de dirigir bêbado, deixa-lhe com uma sensação de impotência muito grande. "É como se esses 30 anos de trabalho tivessem sido um grito no deserto. Infelizmente eduquei minha filha para não dirigir antes da maior idade, nem consumir drogas, mas não tive a chance de tentar educar o assassino que a tirou de mim", lamentou.
Deusimar, no entanto, disse acreditar que todos nós temos uma missão neste mundo e que ele prefere não parar para pensar em perdas, isso aumentaria sua dor. "Assim continuo a luta pelos que continuam vivos. Prefiro acreditar que se eu não estivesse lutando, os prejuízos seriam ainda maiores. Espero um dia poder contar com um maior envolvimento e maior conscientização da sociedade, na busca de um mundo melhor sem a escravidão devastadora das drogas".
A reincidência de casos, na opinião de Deusimar, tem a omissão tanto do poder público como da sociedade civil organizada. Ele acredita que faltam campanhas educativas contínuas e integradas que engajem a sociedade e o aparelho repressor do Estado trabalha de forma desconexa e com interpretações e ações divergentes.
Apesar de não gostar de pensar na perda, Deusimar diz que aprendeu a viver com ela. "Acho que para todos nós, a perda de um ente querido é algo muito traumático. Posso dizer que a saudade é uma dor que não tem cura", completa.
Ele acredita que a minimização do problema passa pela conscientização social e isso não acontece de forma rápida, mas a médio e longo prazos. Punições exemplares para crimes graves no trânsito, no entendimento do psicólogo, podem servir de intimidação para outros possíveis infratores.
Redutores vão rastrear ruas e avenidas inteiras da Capital
Toda a extensão de uma rua ou de uma avenida e não somente pequenos trechos serão monitorados com redutores de velocidade eletrônicos. Essa, segundo o diretor de Trânsito da Superintendência de Mobilidade Urbana de João Pessoa, Adalberto Araujo, será uma das medidas para atacar o problema do excesso de velocidade.
Ele informou que esses redutores têm surtido efeito positivo em Brasília e será adotado aqui em breve. "Já estamos em processo de licitação, cujo edital já foi divulgado". Ele disse que os atuais redutores não vinham surtindo o efeito desejado porque os motoristas diminuíam a velocidade ao passar pelos equipamentos, mas assim que passavam voltavam a empreender velocidade acima do permitido.
Em vários corredores de João Pessoa que têm a maior incidência de acidentes, como Epitácio Pessoa, Pedro II e Beira Rio, e ainda avenidas principais de bairros como Bancários, Tambaú e Manaíra, também devem ganhar o novo monitoramento que funcionará durante as 24 horas do dia, ou seja, também estará funcionando na madrugada, como garantiu Adalberto.
Ao comentar sobre as mortes por conta da imprudência, o superintendente acredita que deve ocorrer discussões que envolvam todos os órgãos responsáveis pelo trânsito para que medidas sejam tomadas a fim de modificar a realidade que temos hoje.
“Precisamos ter consciência de que o carro é apenas um meio de transporte e que o ser humano e mais importante. Para se ter uma ideia, é mais fácil as pessoas reclamarem de um buraco na pista do que de um buraco numa calçada", analisou.
Ele avalia que falta o simples cumprimento das leis de trânsito pelos motoristas e que órgãos como Semob, Detran, Dnit e Polícia Rodoviária Federal devem atuar em parceria. Um dos setores que precisam ser repensados e debatidos, na opinião dele, e a formação dos condutores. "A falta de atenção e o descumprimento das leis do trânsito são impressionantes. As aulas para condutores deveriam trabalhar bem mais a percepção e a conscientização, inclusive com a participação de psicólogos durante as aulas que pudessem desenvolver melhor essas questões subjetivas", sugeriu.
Sem noção do perigo
O psicólogo Frederico Almeida, do Centro de Apoio Psicossocial, faz um alerta para aquelas pessoas que saem para se divertir e ingerem bebida alcoólica pensando que o risco de tragédia ao volante não acontece com elas. "É esse tipo de pessoa, com excesso de confiança, que acaba provocando os acidentes. Por achar que isso não acontece com ela, acaba exagerando na bebida e cometendo a imprudência, que pode acabar em morte", enfatizou.
Frederico reitera o excesso de confiança citando aqueles que dizem que dirigem melhor ainda quando bebem e explica por quê. "Bastam dois copos de cerveja para que nossa percepção fique dois segundos mais lenta, tempo suficiente para acontecer o pior".
Ele recomendou prudência aos motoristas que costumam ingerir bebida alcoólica para que, sempre que sair para a balada, programem com alguém que não beba para guiar o veículo no trajeto de volta para casa. "Tem-se muitas formas de resolver. Já temos bares que possuem praças de táxi nas proximidades para facilitar a volta dos clientes. Outra sugestão é pedir para que alguém em casa venha buscar, pois o excesso de autoconfiança não pode fazer com que motoristas coloquem a vida deles e de outras pessoas em risco, irresponsavelmente”.

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